segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A cuíca roncou

Contrariando o caráter pessoal de um blog, abro espaço para um editor convidado de primeira linha, meu pai, Ailton Carvalho. Aproveitem!

Por Ailton Carvalho

Àqueles com mais de 30, que nunca entraram na MESBLA NÁUTICA, por conta da imponência dos artigos de luxo ali expostos, aqui vai uma sugestão. A majestosa loja virou o Cais Dourado. Com alguns trocados é possível aproveitar as delícias do cais, como dourado foi o passeio de João Bosco, no último sábado.

Na chegada, a impressão não é das melhores, o lugar é aparentemente pequeno, difícil estacionamento, um lugarzinho pra esticar as pernas é bastante disputado. A acústica, também, parece não ajudar. Mas, todos os inconvenientes vão, aos poucos, se dissipando quando o protagonista da noite vai entrando no palco. A gente vai enxergando que mais valem as coisas boas do que pequenos defeitos de infra-estrutura, só detectados por aqueles com mais de 30. Assim, a demora da troca dos instrumentos, já é coisa do passado, quando João Bosco começa a dedilhar um violão que canta. É verdade, o violão dele canta muito melhor que nos discos.

Com sua voz rouca e caretas das mais variadas e a ajuda de um nariz absurdamente grande, João Bosco começa com aquela vontade de fazer uma noite vibrante. Estava a 2 metros do cara e sem entender muito das notas musicais, era capaz de perceber que o espetáculo seria dos melhores que já vi. E foi. Não era uma postura saudosista, já que todas as suas letras e o jeito do violão são inovadores. O que não se pode dizer dos improvisos da voz. Isso porque até hoje não entendo nada daquelas falas estranhas, mas que aos ouvidos soam pra lá de bom. Os caras da banda preservam o mesmo alto nível de João Bosco. A guitarra de Nelson Faria é de uma leveza impressionante, em contraste com a batida forte do baixo de Nei Conceição que dá o ritmo das canções. Na bateria tem um cara chamado Kiko Freitas, cuja melhor definição veio de um cidadão que estava ao meu lado, mais entusiasmado do que eu, o classificou como o MISERÁVEL. Não do ponto de vista pejorativo, mas se usasse o adjetivo espetacular ou excelente não agregaria nada de novo. Tão miserável quanto, era o percursionista Armando Marçal. Quando o mestre começou a cantarolar “roncou, roncou, roncou de raiva a cuíca roncou de fome, a raiva e fome é coisa dos home”, meu irmão, a cuíca chorava de verdade. Foi de arrepiar.

O cara cantou samba, canções falando de amor, declamou poesias, tudo perfeito. Foi completo, exceto nos breves passos de dança, aqui o sujeito é prá lá de desengonçado.

Acho que entendi o real sentido da palavra sintonia. A expressão de alegria do povo era tamanha que, por alguns instantes, eu me perguntei: “por quê a vida de verdade não é assim?”.

Realmente, não sei dizer o que foi melhor do show, se foi a alegria, o profissionalismo, o talento, o repertório, a maneira respeitável e contagiante de tratar o público.

7 comentários:

Samira Andari disse...

Quando Laert ler isso, vai pirar pq não fomos ao show!!!

Texto bom!!!!

bjs

Anônimo disse...

Miseravão!

::Soda Cáustica:: disse...

Eu quero conhecer seu pai. Rei, o cara é gênio.

sara disse...

Também fiquei arrepiada só de ler !!!!

Anônimo disse...

Cavalinho, já sabe de quem vc herdou o "suingue nos vocábulos", não é? rsss

Excelente texto!

Abração,

Nié.

Unknown disse...

Primo, apesar de manter o anonimato, há tempo acompanho de perto o seu blog. Não sei bem expressar com palavras o que sinto. Entre o tumulto e a correria do dia-a-dia dessa cidade maluca que é São Paulo, encaro-o como um momento de folga, boa leitura e cultura. Hoje, em mais um momento "relax" dei uma escapadinha no blog e me deparei com o "MISERÁVEL" texto de seu pai, tio Ailton. Mais uma vez me fogem as palavras. Se consegue me entender, é um misto de entusiasmo, alegria, admiração, saudade e um orgulho indescritível de fazer parte dessa família. A exemplo do que foi dito nos comentários desse texto, sabemos de onde vem a sua íntima amizade com as palavras. Ainda que um pouco atrasada, preciso parabenizá-lo pelo blog. Mas o que eu busco com esse comentário é agradecer a você pelo refúgio e ao tio Ailton por manter vivo e com palavras que por si só são puro sentimento, o trabalho de um grande mestre, João Bosco. Um grande beijo à vocês e muita saudades.

Laert disse...

Eu estou muito PUTO porque não fui pro show! Mas...tudo bem...

João foi despido por seu pai. Claro, no sentido poético.
Ao ler o texto, ouvi suas músicas e a sintonia do show, de certa forma, chegou até os leitores do seu blog.

Quando a coisa é boa, a energia flui em todas as direções.

Parabéns pelo texto de seu pai.
Parabéns por tê-lo publicado aqui.
Parabéns por ser um cara que sabe diferenciar o que é bom do que é ruim.

Só não se olhe no espelho.

Grande abraço.