segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Eu sou o Carnaval em cada esquina - Parte II

No texto anterior, o pombo correio contou o meu repúdio ao Carnaval durante a minha infância. A ojeriza em relação à folia momesca só fez aumentar no início de minha adolescência. Porém, a causa agora era o tal do rock n' roll.

Com distorção entrando pelos sete buracos da minha cabeça, o trio elétrico - pipoca, abadá e axé - ficava cada vez mais distante de mim. Ao mesmo tempo em que descubria clássicos como "Rocket to Russia", "Chaos A.D.", "Cabeça Dinossauro" e "In Utero", a rotulada axé music emplacava um hit atrás do outro. Além do mais, os ambientes em que frequentava, muito parecidos com este vídeo - http://www.youtube.com/watch?v=CAep4VS40qo -, nada lembravam os clubes Bahiano de Tênis e Espanhol. Conclusão: dar um "mosh" batia muito mais onda do que sair do chão.

Sendo assim, restava para mim viajar ou curtir o Carnarock. Entre 94 e 97, não tive dúvidas, só dava Carnarock. Idealizado pelo Clube de Rock, o festival acontecia em pleno Carnaval na praia de Piatã enquanto o resto da cidade corria atrás do trio.

Como pede o Carnaval, o público era uma geléia geral com gente de tudo quanto é jeito. Tinha punk, metaleiro, hippie, skatista, grunge, doidão, bêbado e alternativo. Quase todos, inclusive eu, vestiam camisas pretas com estampas de suas bandas favoritas e jeans. Esse era o nosso abadá. Os mais radicais usavam adereços de acordo com a sua tribo. Os punks ostentavam correntes, coturnos e munhequeiras enquanto os metaleiros amedrontavam os demais com crucifixos invertidos, tatuagens e camisas com dizeres satanistas. Qualquer antropólogo que estivesse em dúvida sobre o tema de sua monografia bastava ir a um dia no Carnarock para encontrar um tema. Assunto não faltava.

Já que o papo é gente, eu e meus amigos tínhamos uma afinidade com o Carnarock absurda. Aquele lugar era o nosso Woodstock. Explico. Foi o nosso primeiro encontro com uma palavra tão almejada por todos, a liberdade. Como éramos guris, com média de idade de 14 anos, tudo era novidade. Sair sozinho, fazer o que quiser, ficar à vontade, comer junkie food, bater cabeça, tocar air guitar, ficar plantado, pular do palco e ouvir muito rock, é claro. Destas experiências ficaram muitas histórias para contar aos nossos netos.

Naquele palco, com telões e caixas de som iguais ao do show de Lenny Kravitz que vi no Pacaembu, assisti as bandas mais legais de Salvador - The Dead Billies, Lisergia, Dois Sapos e Meio - e conheci muitas bandas como Ulo Selvagem, Slow e Zona Abissal. Infelizmente, a Locomosquito nunca conseguiu tocar lá porque o bloco do Clube do Rock era mais preconceituoso do que o Eva nos anos 90.

Em 1997, com estrutura pífia, bandas de péssima qualidade e ambiente sem segurança, a praia de Piatã tomou uma goleada da Barra, Ondina, Campo Grande e do corredor da história. Virei a casaca.

A saga carnavalesca continua no próximo post. Aguardem o último bloco da trilogia.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Eu sou o Carnaval em cada esquina - Parte I

A primeira lembrança que tenho do Carnaval é de 1986 quando saí no ombro de meu pai no Camaleão na Avenida Sete. Acho que ele não tinha com quem deixar o filho e foi obrigado a carregar o guri sem falar na mamãe-sacode, lata de cerveja, cigarro e a mortalha. Haja equilíbrio, ou melhor, "haja amor". Mas prefiro pensar que fui levado à Avenida Sete naquele dia para ser iniciado na dita maior festa popular do mundo.

No ano em que o Brasil foi eliminado pela França pela primeira vez, quem puxou o bloco foi Luiz Caldas e banda Acordes Verdes, que incendiava as tardes no Chacrinha, tocava nas principais rádios populares do Brasil, vendia milhares de bolachões e tinha dois desconhecidos em sua formação, Carlinhos Brown e Cesinha. Até então, meu conhecimento musical se resumia a Balão Mágico, Trem da Alegria, Menudo, Tremendo e Dominó. Nunca tinha ouvido falar em "Fricote", "Magia" e "Ajayô" e nem lembro se curti ou não aquelas músicas que saíam das caixas do trio elétrico.

Ainda nesta época e até o início dos 90, fui uma criança insuportável. Era nojento, dengoso, chato, grosso e anti-social. Vale reforçar o tempo do verbo - ERA - ok? Conciliar esses atributos com toda a confusão do Carnaval em minha infância foi mais difícil do que acompanhar a temida corda do Chiclete hoje em dia.

Neste período, meu pai trabalhava em uma instituição localizada no meio da Avenida Sete, trecho do circuito onde as bandas estão embaladas após a saída do Campo Grande. Por causa disso, este ponto sempre foi considerado boca de zero-nove pelos foliões. Para vender bebidas e petiscos à massa e fazer o Planeta Othon dos anos 80, meu pai e os seus colegas montavam uma barraca na frente do prédio. Beleza pura, dinheiro não! O problema era um só: eu! Odiava aquele espaço. Gente suada e fedorenta, comida suja, Sarajane e Cid Guerreiro, Guaraná Brahma e copo de plástico. Não tinha brigadeiro, coxinha da Perini, Big-Sundae, tubaína, Atari, álbum de figurinha, bola, filme dos Trapalhões nem pega-pega. Quer dizer, rolava muito pega-pega, mas esse eu ainda não podia brincar. Além do mais, minha gagueira era mais acentuada. Praticava o velho provérbio: entrava mudo e saía calado. Sempre de mau humor.

E a dúvida continua até hoje. Esse sofrimento foi um treino para eu enfrentar o Carnaval sozinho posteriormente ou não existiam creches ou babás naquele período?

Para terminar, segue um vídeo de primeira classe: http://www.youtube.com/watch?v=ps8GgGKYueU

A folia do Rei Momo continua. Aguardem o próximo post.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Espírito Natalino

Já estamos em dezembro. E todo final de ano eu fico entediado com esse lance de fraternidade, união, espírito de Natal e coisas afins. Bullshit! Para mim, isso deve ser feito no dia-a-dia e não uma vez no ano. Parece aquela história do cara que apronta e depois vai se confessar com o padre ou então aqueles que depois de fazerem tanta merda na vida "encontram Jesus".

Em minha adolescência, como vocês viram no texto "Roque e o besouro", conheci o Punk Rock e o Hardcore. Inclusive, tive uma banda em que estes estilos eram bastante presentes no nosso som, a Locomosquito, e até hoje ainda ouço Sex Pistols, Ramones, Ratos de Porão e três acordes mais rápidos do que a velocidade 5. Com letras muito agressivas e diretas, estas bandas criticam tudo relacionado ao capitalismo. Pensando nisso, lembrei de uma música do Garotos Podres que a Locomosquito tocou em um show no Casablanca em Amaralina no dia 25/12/96 . Vejam abaixo a letra da singela canção que resume a minha opinião sobre o espírito de Natal.

"Papai Noel velho batuta
Rejeita os miseráveis
Eu quero matá-lo!
Aquele porco capitalista

Presenteia os ricos
E cospe nos pobres
Presenteia os ricos
E cospe nos pobres
Pobres, pobres...

Mas nós vamos seqüestrá-lo
E vamos matá-lo!
Por que?

Aqui não existe natal!
Aqui não existe natal!
Aqui não existe natal!
Aqui não existe natal!"

Vejam neste link - http://www.youtube.com/watch?v=VOU3m4XKzy0&feature=related - os Garotos Podres descendo a madeira ao vivo no Altas Horas. Peraê! Na Globo?!

É, o espírito de Natal faz até punk tocar na casa do falecido Marinho.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Roque e o besouro

Na vida de todo ser humano existem fatos marcantes que mudam por inteiro o way of life do pacato cidadão. Pode ser uma viagem, um amor, um livro ou qualquer dois mil réis. Gil não seria o mesmo se não fosse exilado em Londres, Arnaldo Baptista poderia estar lúcido até hoje se não amasse Rita Lee e os LP´s "Tim Maia Racional Vol. I e II" poderiam ser encontrados ali pertinho do Bompreço se o Síndico não tivesse lido "Universo em Desencanto". Surtei quando conheci um brother chamado Rock.

Filho de um negão de nome Blues, americano e com mais de 60 anos, Rock apresentou para o guri de 12 anos uma nova forma de ver o mundo através da música. O ano era 1993 e, como todo adolescente, eu consumia o que estava no mainstream. A moda daquela época era tomada por um dos netos de Rock, o Grunge. Ele era um cara massa que transbordrava música e comportamento, ou melhor, rock e atitude. Com ele, descobri porradas como "Bleach", "Nevermind", "Ten" e "Superunkown" e passei a pensar e me vestir diferente.

Depois disso, o cidadão instigado conheceu a família toda. Com o tempo, Hard Rock, Heavy Metal, Punk Rock, Hardcore, Psicodelia, Progressivo e a árvore genealógica completa do filho do Diabo se tornaram meus melhores amigos. Porém, durante esses anos uma mania de criança insistia em vir à tona, a de não gostar de algo sem conhecer. Costumava dizer que detestava camarão, lambreta e maniçoba sem nunca ter comido uma moqueca, bebido um caldinho quente no copo americano ou ter ido almoçar na A Venda.

Esse "tique" se transformava num TOC pior do que o de Roberto Carlos quando alguns amigos conversavam comigo sobre uma das principais obras do velho Rock, uma banda de quatro ingleses dos anos 60. Já tinha lido muito a respeito deles, ouvido diversos hits, sabia da sua importância, mas o Sargento Pimenta não agradava os meus ouvidos de jeito nenhum. Puro preconceito. Quase um apartheid.

As coisas mudaram enquanto lia a biografia banda mais foda do Brasil, Os Mutantes. As páginas corriam e o autor fazia constantes referências à devoção dos irmãos Baptista e de Rita Jeep pelo Submarino Amarelo. Pensei: "se Arnaldo e cia dizem que a principal influência deles são os Beatles, esses caras devem ser realmente bons. kkkkkkk". Acho que nunca fui tão ignorante em minha vida. Nesse momento, lembrei de uma entrevista em que Ed Motta comentava como se tornou fã de Tom Jobim. O cantor de "Manoeeeel" comprou o primeiro disco do Maestro quando leu na contra capa do LP o nome de um produtor que ele admirava. Se não fosse essa nota de rodapé, talvez a bossa nova nunca entrasse no funk e soul do sobrinho de Tim Maia.

Mas, o assunto é Rock e sua extensa família. A cena vergonhosa descrita acima aconteceu em setembro de 2007. No mês seguinte, fui ao paraíso dos discos em São Paulo, a "Baratos Afins" na Galeria do Rock, e fui recuperar o tempo perdido. Comprei "Rubber Soul" e "Sgt. Pepper´s". Fiquei viciado. Ainda em outubro, mudei de emprego e a maior parte da agência venerava Seu Rock. Nos dez meses que passei nessa empresa, sob influência do diretor de criação, conheci os verdadeiros The Beatles. Recentemente, comprei dois álbuns clássicos, "Branco" e "Revolver".

Se não fosse apresentado a Rock há 15 anos, provavelmente nunca entenderia o que foram os besouros.

Escrevi esse texto, que dedico para Caio, Tiago, Pedroca e Coló, ouvindo Paul, John, George e Ringo na radiola e no CD player.