Com distorção entrando pelos sete buracos da minha cabeça, o trio elétrico - pipoca, abadá e axé - ficava cada vez mais distante de mim. Ao mesmo tempo em que descubria clássicos como "Rocket to Russia", "Chaos A.D.", "Cabeça Dinossauro" e "In Utero", a rotulada axé music emplacava um hit atrás do outro. Além do mais, os ambientes em que frequentava, muito parecidos com este vídeo - http://www.youtube.com/watch?v=CAep4VS40qo -, nada lembravam os clubes Bahiano de Tênis e Espanhol. Conclusão: dar um "mosh" batia muito mais onda do que sair do chão.
Sendo assim, restava para mim viajar ou curtir o Carnarock. Entre 94 e 97, não tive dúvidas, só dava Carnarock. Idealizado pelo Clube de Rock, o festival acontecia em pleno Carnaval na praia de Piatã enquanto o resto da cidade corria atrás do trio.
Como pede o Carnaval, o público era uma geléia geral com gente de tudo quanto é jeito. Tinha punk, metaleiro, hippie, skatista, grunge, doidão, bêbado e alternativo. Quase todos, inclusive eu, vestiam camisas pretas com estampas de suas bandas favoritas e jeans. Esse era o nosso abadá. Os mais radicais usavam adereços de acordo com a sua tribo. Os punks ostentavam correntes, coturnos e munhequeiras enquanto os metaleiros amedrontavam os demais com crucifixos invertidos, tatuagens e camisas com dizeres satanistas. Qualquer antropólogo que estivesse em dúvida sobre o tema de sua monografia bastava ir a um dia no Carnarock para encontrar um tema. Assunto não faltava.
Já que o papo é gente, eu e meus amigos tínhamos uma afinidade com o Carnarock absurda. Aquele lugar era o nosso Woodstock. Explico. Foi o nosso primeiro encontro com uma palavra tão almejada por todos, a liberdade. Como éramos guris, com média de idade de 14 anos, tudo era novidade. Sair sozinho, fazer o que quiser, ficar à vontade, comer junkie food, bater cabeça, tocar air guitar, ficar plantado, pular do palco e ouvir muito rock, é claro. Destas experiências ficaram muitas histórias para contar aos nossos netos.
Naquele palco, com telões e caixas de som iguais ao do show de Lenny Kravitz que vi no Pacaembu, assisti as bandas mais legais de Salvador - The Dead Billies, Lisergia, Dois Sapos e Meio - e conheci muitas bandas como Ulo Selvagem, Slow e Zona Abissal. Infelizmente, a Locomosquito nunca conseguiu tocar lá porque o bloco do Clube do Rock era mais preconceituoso do que o Eva nos anos 90.
Em 1997, com estrutura pífia, bandas de péssima qualidade e ambiente sem segurança, a praia de Piatã tomou uma goleada da Barra, Ondina, Campo Grande e do corredor da história. Virei a casaca.
A saga carnavalesca continua no próximo post. Aguardem o último bloco da trilogia.