quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A vida é boa e doce

Em sua despedida, a primavera entrega para o seu sucessor um presente de Natal antecipado com céu azul, banho de mar e o clima tão esperado por nós durante todo o ano. Por outro lado, o período das flores não presenteou os soteropolitanos com aquele frescor gostoso que só a estação dos ensaios para o Carnaval oferece. Com a vibe de verão já latente na pele e mente, começo a perceber a leve brisa que vem do mar e traz consigo um vendaval de vida e energia. Como um suave assovio que entra pelos ouvidos, sinto a vitalidade, que andava tão distante, chegar de mansinho em meu caminho. É nesse instante que "O mar e o ar" da Orquestra Imperial faz pulsar com a mesma intensidade o alto falante e o meu coração.

Este vigor começa a acontecer de maneiras múltiplas e aparentemente sem ligação, no entanto juntas constroem uma única forma tal qual um difícil quebra cabeça da Grow. A alegria então se revela e aponta cada peça do jogo.

A primeira, claro, veio com o combustível que movimenta o meu corpo. Não falo da bebida de trigo, cevada e lúpulo nem daquela famosa de Minas Gerais, mas do material aditivado de potência máxima, a música. E ela surge de modo intenso através daquilo que a faz existir, o instrumento. Talvez pela minha formação rocker, não consigo desvencilhar o “ouvir música” de “fazer o som”. Comecei as aulas de violão com treze anos e parei no mesmo ano, aos 15 ganhei uma guitarra de aniversário e arranho-a até hoje além de tocar bateria imaginária desde sempre. Um amigo da faculdade um dia confessou que seria frustrado se fosse apreciador de artes plásticas já que não soube nada de cor, tela ou pincel. Em “Tigresa”, o filho ilustre de Santo Amaro dá o recado: "como é bom poder tocar um instrumento".
Pensando nisso tudo e com os trinta anos batendo à porta, decido dar um presente especial para mim mesmo e resolvo comprar uma guitarra de gente grande ou “de homem sério” como diziam os antigos. Não foi nem preciso pensar na marca e modelo, bastou apenas eu lembrar das primeiras imagens de Slash, Joe Perry e Jimmy Page que assistia em VHS nos anos noventa. Eis o mito: Gibson Les Paul. Feito o trabalho inicial de viabilidade financeira e pesquisa, realizo o sonho de adolescente e compro um instrumento de 1ª Divisão com o apoio logístico essencial de minha amiga Colha. Logo, a ruiva cromada de Londres desembarcou na Barra e fez o pai se emocionar do mesmo jeito quando ganhou uma BMX Pantera há mais de vinte anos.

Fui apresentado ao segundo sopro vital nesta semana lá em Itapuã e foi amor à primeira vista. Imagino que as proximidades com a antiga residência do poetinha e o cheiro de dendê no ar balançaram as minhas pernas. O objetivo era preparar uma surpresa para a amada e, quem sabe, ser agraciado com um lindo sorriso, contudo não esperava que eu mesmo fosse contaminado pela simpatia daquela criatura de 15 cm de altura e 30 de comprimento. Presente aberto, o sorriso saiu naturalmente com a mesma espontaneidade que o escolhemos no meio de outros também lindos. O pacotinho adentrou ao seu novo lar, reconheceu a área, mexeu em tudo, brincou com o seu nariz e, sem saber, já possuía até nome, Bento. Em menos de três dias de convivência com os novos pais, o primogênito já mostrou pra todos a sua pegada: brincalhão, dengoso, bon vivant, guloso e torcedor do único Bicampeão Brasileiro fora do eixo Sul-Sudeste. Quando conversei com a pessoa que o criou, perguntei qual era a cor daquele que é o melhor amigo do homem. Com a força e a velocidade de um chute do Cabo Lima, a senhora respondeu: “tricolor”. Para completar, ele já teve em sua companhia o manto sagrado em forma de toalha na sua primeira noite de sono. Romário, esse é o cara!

Tudo isso fez com que eu percebesse também que a vida traz sempre surpresas boas mesmo que ela própria tire da gente o que mais amamos. Até hoje, do Campo Grande à Ondina, a guitarra de Armandinho fala "êta vida boa" e Lobão berra no microfone que "a vida é doce". Fico com os dois e digo em alto e bom som: "ELA É BOA E DOCE".