sábado, 22 de novembro de 2014

A Fonte secou



Tirei essa foto em uma noite agradável de primavera em Salvador. Tempo bom, brisa refrescante, expectativa de música boa, encontro com amigos e papo divertido. E assim foi. 

O show em questão foi da banda mundial mais famosa por DVD depois da Calcinha Preta - o Play for Change. Esse fenômeno é curioso, às vezes até engraçado, pois acredito que o grupo tenha surgido depois de o projeto da série em DVD ter feito sucesso em todos os continentes e o barbudo de macacão ficar famoso cantando “Stand by me”.

Quando soube do show, logo fiquei animado em assistir porque seria uma oportunidade bacana de presenciar um show de música pop internacional em minha cidade. Porém, pouco tempo depois lembrei que há dois anos, quando estive em Portugal, a banda já estava em turnê europeia, ou seja, Salvador estava atrasada em relação ao cenário das grandes metrópoles mais uma vez.

Esperava o contrário, mas o público de nossa cidade tocou a música que os empresários covardes e conservadores dessa terra queriam ouvir. Número de pagantes pífio, show vazio, atraso, som ruim, Filhos de Jorge (!!!) para abrir a festa e uma escola de samba-reggae (!!!) no intervalo. Enquanto presenciava tudo aquilo, olhava a arquibancada iluminada, o gramado perfeito, o formato da ferradura com vista para os orixás e a imponência da nova Fonte, agora transformada em Arena. Enfim, um ambiente impecável para qualquer atração mundial, como ocorrera com Elton John e as partidas épicas da Copa das Copas. Tive a sorte de estar em ambos os eventos e também de conhecer outros estádios fora da Bahia e do Brasil. E digo sem dúvida alguma: o gigante do Dique é o melhor de todos que eu já visitei.  É claro que falta um museu interativo, moderno e divertido igual ao do Camp Nou, um restaurante classudo como no Bernabeu, organização britânica que vi em Cardiff nas Olimpíadas ou até a pressão da Bombonera, mas nenhum deles tem o charme e beleza do Octávio Mangabeira. Apesar disso, a Fonte Nova continua sendo palco de reduzidos espetáculos de entretenimento e de péssimos jogos de futebol.

Frequento os arredores do Jardim Baiano, Dique do Tororó e Centro desde os sete anos de idade e foi nessa região que conheci um lugar onde aprendi a viver e sentir a paixão do maior esporte do mundo e pelo time que torço. Descobri que um grande jogo só é completo quando a casa está cheia. Vi de perto as glórias e decepções de uma equipe humilde, mas que pensava grande. Conheci uma nação de milhões e com a cara da nossa gente, alegre, mestiça e diferente. O azul, o vermelho e o branco juntos foram e sempre serão as cores da moda no meu guarda-roupa. Fui ao dia da maior tragédia em 2007, chorei com a demolição e sonhava constantemente com aquela tarde difícil, mas tinha esperança de que a Fonte se reerguesse e que domingo estaria ali de novo.  

E ela voltou. Linda, um pouco menor, mais confortável, desejada e pronta para receber o que houvesse de melhor em diversão. Salvador agora tinha uma casa de espetáculos de ponta e o Bahia o seu mando de campo tradicional novamente. Mas só ficou um problema. A boa terra se mantém provinciana para tudo o que foge do padrão musical do momento, o Tricolor já não é mais de aço e a fonte permanece seca, fria e sem vida.

E o simples desejo de sair de casa para curtir um show de rock n’roll gringo, tomar uma cerveja, vibrar com meu time campeão e retornar para o lar segue adiado por mais uma temporada.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Aquela música

"Reggae é musica, reggae é som, beleza pura". Havia encontrado a batida perfeita para o domingo de céu azul e mar calmo que se anunciava em minha janela. Cantei alto os versos da canção como se já tivesse decorado por osmose cada palavra de um hit grudento. Parei e lembrei que havia comprado o disco em uma feira de vinil recente e ele só havia rodado duas vezes na radiola. A alegria só aumentava e dançava com a emoção à medida que a agulha deslizava pelas faixas dos lados A e B da bolacha. O sorriso e os olhos levemente marejados se misturavam travando a garganta, mas liberando a mente.

Não foi preciso pensar muito para entender a intensidade e dualidade das sensações ao ouvir uma música que não costumo escutar com frequência. Porque é fácil sentir o one drop nos peitos, a guitarra seca, o swing do wah wah, o groove do grave, o ataque dos metais, a força das letras e as memórias que o reggae acende.

Sem que eu percebesse, fui encontrando as bases do balanço jamaicano no rock, soul, axé, forró e MPB. "D'yer Maker", "Master Blaster", "Reggae do Camaleão", "Extra" são alguns clássicos que me recordo agora. Porém, o som que faz os dreadlocks girarem no ar já fazia parte de minha vida muito antes do interesse pela música na adolescência. E o ambiente em que a energia difundida por Bob Marley em todo o mundo não batia onda em mim nos shows, lojas de discos ou rádios. As positive vibrations saíam das caixas da sala de casa, ecoavam pelos carros de som em greves, passeatas ou carreatas e estouravam os falantes nas festas do partido, locais pouco comuns para a diversão de crianças. Colocar a banda Cão de Raça para tocar é lembrar desse clima com saudade.


Ter crescido nesse contexto e em uma família que possui em seu DNA a paixão pela música e política na mesma proporção foi uma influência absurda para a formação da minha personalidade e da pessoa que sou. Sou feliz por essa base e acredito que ela me faz perceber os fatos e encarar o dia a dia com outro olhar. Tornei-me cético em relação às ondas de manifestação que tomaram o país no ano passado, cada vez mais descrente e menos esperançoso com os nomes do cenário eleitoral, decepcionado com o que as lutas de classe se tornaram e completamente avesso ao noticiário atual.

Refletir sobre isso tudo numa semana em que houve paralisação dos rodoviários e, principalmente, hoje, 30/05, aniversário de minha mãe é ratificar que o esforço da luta foi em vão. Mas a vida é como um reggae, é sofrida, é bela, é som, é beleza pura!