sexta-feira, 30 de maio de 2014

Aquela música

"Reggae é musica, reggae é som, beleza pura". Havia encontrado a batida perfeita para o domingo de céu azul e mar calmo que se anunciava em minha janela. Cantei alto os versos da canção como se já tivesse decorado por osmose cada palavra de um hit grudento. Parei e lembrei que havia comprado o disco em uma feira de vinil recente e ele só havia rodado duas vezes na radiola. A alegria só aumentava e dançava com a emoção à medida que a agulha deslizava pelas faixas dos lados A e B da bolacha. O sorriso e os olhos levemente marejados se misturavam travando a garganta, mas liberando a mente.

Não foi preciso pensar muito para entender a intensidade e dualidade das sensações ao ouvir uma música que não costumo escutar com frequência. Porque é fácil sentir o one drop nos peitos, a guitarra seca, o swing do wah wah, o groove do grave, o ataque dos metais, a força das letras e as memórias que o reggae acende.

Sem que eu percebesse, fui encontrando as bases do balanço jamaicano no rock, soul, axé, forró e MPB. "D'yer Maker", "Master Blaster", "Reggae do Camaleão", "Extra" são alguns clássicos que me recordo agora. Porém, o som que faz os dreadlocks girarem no ar já fazia parte de minha vida muito antes do interesse pela música na adolescência. E o ambiente em que a energia difundida por Bob Marley em todo o mundo não batia onda em mim nos shows, lojas de discos ou rádios. As positive vibrations saíam das caixas da sala de casa, ecoavam pelos carros de som em greves, passeatas ou carreatas e estouravam os falantes nas festas do partido, locais pouco comuns para a diversão de crianças. Colocar a banda Cão de Raça para tocar é lembrar desse clima com saudade.


Ter crescido nesse contexto e em uma família que possui em seu DNA a paixão pela música e política na mesma proporção foi uma influência absurda para a formação da minha personalidade e da pessoa que sou. Sou feliz por essa base e acredito que ela me faz perceber os fatos e encarar o dia a dia com outro olhar. Tornei-me cético em relação às ondas de manifestação que tomaram o país no ano passado, cada vez mais descrente e menos esperançoso com os nomes do cenário eleitoral, decepcionado com o que as lutas de classe se tornaram e completamente avesso ao noticiário atual.

Refletir sobre isso tudo numa semana em que houve paralisação dos rodoviários e, principalmente, hoje, 30/05, aniversário de minha mãe é ratificar que o esforço da luta foi em vão. Mas a vida é como um reggae, é sofrida, é bela, é som, é beleza pura!