terça-feira, 17 de agosto de 2010

Mora na filosofia

Conhecemos ela juntos, ambos com 15 anos, em nossa sala de aula através de um professor esquisito que tínhamos. O mestre tinha costumes fora do padrão no ambiente pensado unicamente para o vestibular e ela não era muito simpática. Por todo o ano de 1996, ele se esforçou para que tratássemos a senhora bem ou pelo menos a respeitássemos, mas o interesse pelas teorias, livros e autores citados por ela era muito menor do que as descobertas da adolescência. Definitivamente, filar aula e iniciar a boêmia com a farda do colégio eram programas mais instigantes comparados à leitura de uma "xerox" com 40 páginas. O ano letivo se encerrou e a dona passou despercebida e indiferente em nossas vidas.

Alguns anos depois, num bom baianês, eu "me bati" com a moça de maneira lúdica nas vozes, composições e câmeras de outros mestres. Passei a entendê-la e valorizá-la, mas optei por um caminho diferente. Os mistérios e as reflexões, característicos de sua personalidade, não estavam em meu DNA. Por outro lado, o amigo, já um jovem administrador, descobriu-a e por causa dela, acredito eu, se entregou aos estudos complexos, às artes, inclusive marciais, e passou a ter uma nova forma de encarar esta "vida loka, mano". No início, eu e outros amigos em comum entendíamos esta mudança de comportamento como uma certa ingenuidade e, por que não, loucura? "Tempo, tempo, tempo és um dos deuses mais lindos". Paciente igual aos alquimistas, aguardei o dia em que eu, ela e ele nos encontraríamos novamente.

De maneira inesperada, o acaso surge em uma noite junina especial. O agora maduro amigo declamou para todos no arraiá um dos presentes deixados por ela, a Filosofia: o dom da escrita. "Mora na filosofia, pra que rimar amor e dor?". O amor reinou, afinal, era casamento na roça.

Pena que, pouco depois, não notamos o alerta feito por Caetano e o amor rimou com dor também em uma dia de festejo junino. Mas o sentimento verdadeiro não se abala e permanece vivo nos nossos corações e nas palavras do filósofo.

Duro Guerreiro, Terna Dama por Yang Mendes

O guerreiro tombou
Como todo cavalheiro preparado
Tinha uma grande dama ao lado
Que com toda singeleza também serenou

Tal as grandes damas de Atenas
Quiçá um dia entenderá o Chico
Sabia ser sublime ao fazer-se elemento alquímico
Transmutando-se em nada para parecermos um tudo apenas

Talvez não haja maneira mais digna de ser grande
Que fazendo outros grandes, mesmo quando pequenos
Pequenina e de sorriso meigo que não esqueceremos
É a grande dama que também tombou ao lado do guerreiro gigante

Foi com que ela que o guerreiro mais cresceu
Tornou-se mais forte, reforçou-se de coerência
Ah, meu amigo, como sentiremos tua ausência
A voz tranqüila e o pensamento abrangente que a vida lhe deu

Sempre bem humorado para questões de humor
Sabia apaziguar qualquer ambiente
Sempre rígido, com seus valores era um valente
Que soube resistir a qualquer dor

Mas a dama e guerreiro não tombaram
O que jazem são seus corpos de carne, osso e carbono
Pois sabemos que ao verem suas virtudes distribuídas a tanto dono
Os anjos e deuses ao lhes receberem as trombetas soaram

E apesar da covardia tê-los aparentemente abatidos
Ressoam insistentemente em nossos corações
Suas vozes, seus sonhos e seus sons
E percebemos quão ilusório é aquilo que foi levado a tiros

Catarina é ternura permanente e contumaz
Paulo, a dureza valente para o que der e vier
Portanto, vos lembro o que me lembrou meu amigo Éder
“Há que endurecer-se sem perder a ternura jamais”

Melhor dizendo:
“Há que ser Paulo sem deixar de ser Catarina jamais”

Grato por ter compartilhado vida com vocês e por ter recebido mais vida de vocês