domingo, 20 de setembro de 2009

Tempo rei

Em 2003, eu e meu pai fomos numa dessas feiras de livros que acontecem no Centro de Convenções para ver as novidades no mercado editorial, circular pelos stands e ouvir algum debate literário. Recém-formado em comunicação e calouro no curso de Letras ao mesmo tempo, estava ávido por esse admirável mundo novo. Andei muito e, algumas horas depois, saí com apenas um exemplar! Era o bastante, pois se tratava de uma obra prima, "Bora Bahêeea!". Assim que meu pai viu o best seller, questionou a minha relação com a literatura e o porquê de não ter comprado diversos outros títulos interessantes que tínhamos visto no evento. O que estava em jogo ali não era uma discussão da Academia Brasileira de Letras, mas sim boleira porque o velho é chegado no vermelho e preto de Canabrava e detestou a publicação. Naquele ano erámos o atual Bi Campeão do Nordeste e estávamos na Série A, ou seja, a corja do Lixão não tinha nenhum argumento contra o Campeão dos Campeões.

Página virada, chego em casa e devoro o livro em poucos dias. Com um texto leve e agradável, o conceituado jornalista Bob Fernandes traz para o leitor entrevistas emocionantes com craques, cartolas e artistas e faz jus ao hino: "é assim que se resume a sua história". Como sou viciado em música, o capítulo dedicado a Gilberto Passos Gil Moreira foi especial para mim. Fiquei ainda mais fã do cara quando li este trecho: "O Bahia é o time da minha vida. Ele fica, mas vai comigo quando eu morrer, sempre em primeiro lugar.".

Passados alguns carnavais, eu e um bloco de amigos acompanhávamos o "Expresso 2222" desde o Farol quando o amigo de Caetano faz Ondina tremer mais do que as arquibancadas da Fonte Nova ao puxar o hino tricolor. Abraços, gritos, pulos e chuvas de cerveja por todos os lados. Gil marca um golaço naquele que seria o último dia do trio mais elétrico que já vi.

12 de setembro de 2009. O momento é outro. Não estou mais em 2003 muito menos nos anos de Bobô, Zé Carlos, Luiz Henrique, Naldinho e Nonato. "Que tempo bom, que não volta nunca mais". A realidade é outra: goleada da Portuguesa em casa, jogo sábado à tarde na segundona, cerveja sem álcool, jogadores ridículos e chuva na saída do estádio para acabar de vez com o sonho da 1ª Divisão. Com tudo isso na cabeça, começo a cantarolar "não me iludo, tudo permanecerá do jeito que tem sido, transcorrendo, transformando, tempo e espaço navegando, todos os sentidos...". Será que o ex Ministro da Cultura previu que os dirigentes iriam destruir o nosso time quando compôs esta letra? "Não se iludam, não me iludo, tudo agora mesmo pode estar por um segundo" continua Gil em seu poema e liga o alerta da Série C mais uma vez. O que nos resta agora é rezar e pedir ao Senhor do Bonfim para o Tempo Rei transformar as velhas formas do viver ou então "quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória, mudando como um Deus o curso da história".

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Dias de janeiro

Era domingo. Pra ser mais preciso, 14/01/07. Acordo por volta das 12 horas e olho, sob o efeito da ressaca, o ambiente ao redor e não reconheço nada. Não encontro as torres de cd's, a placa de Olinda, os vinis, o Cavalinho, as fotos da galera nem a pretinha Dean. Assustado, verifico e percebo que não levaram meus rins nem estou numa banheira com gelo. Ufa! Salve, Jorge! Levanto do sofá, pé direito no chão e vejo meu primo jogado no chão com uma cara pior do que a minha. Lá ele! Em segundos, rebobino a fita da memória, aperto o play e as lembranças chegam em câmera lenta.

Relaxado, percebo que estou no Humaitá ao ler uma placa de rua, mas abro a janela e não vejo o Farol, o Forte nem a Baía de Todos os Santos. Reconheço a queda, mas não desanimo. Levanto, sacudo a poeira e dou a volta por cima ao enxergar a Lagoa Rodrigo de Freitas em um dia nublado apesar do verão carioca. Cabeça de gelo, pois alguns dias antes acompanhei o sol de 40 graus pelo Leblon, Ipanema, Copa e vi ele descansar de mais um dia de trabalho no Arpoador. Tá registrado, cumpádi!



Volto para o sofá e sigo para o meu ritual diário, pedindo proteção e saúde e agradecendo também. Enquanto procurava os santos, notei um papel em preto e branco com uma letra imensa de música e o verso "salve, poetas e compositores, salve também os escritores" soluciona o mistério. Na noite anterior, cruzei o Rebouças e as retinas baianas registraram o gigante Maraca, a aprazível Vila Mimosa, as luzes da Sapucaí e, enfim, a chegada ao Palácio do Samba.

Tenso por estar no pé do morro e sem Zé do Caroço pra me ajudar, começo a viagem pelo mundo verde e rosa. Faço um tour pela sala de trófeus, bato um papo com Cartola, reverencio os baluartes, pechincho uns souvenirs, compro uma gelada e piso na quadra. Com a visão além do alcance ligada, fotografo o Santo Guerreiro protegendo todos nós e o céu limpo sem nenhuma nuvem, passageira ou não. Os tambores começam a rufar, mas ainda é só uma preliminar da grande partida que será disputada naquela noite. Três sambas tocados, a temperatura começa a subir, as negras roubam os olhares e o surdo bate cada vez mais forte no meu peito. É hora da apoteose! Dezenas de tamborins, caixas, surdos, tons, um cavaco e um cantor convocam cariocas, turistas e globais pra se esbaldarem na sonzeira. Rock n' roll! Vibro com os clássicos, decoro o samba enredo daquele ano e só não fico pra Alvorada porque São Jorge tinha muito mais gente pra cuidar naquela noite.

Depois de rezar, acordo meu primo e comemoro o Dia D, 14/01/07.Vocês saberão logo o motivo. Como já eram quase 13 horas, reforço que não podemos perder tempo. Engolimos um fast food no Rio Sul, voltamos pro apartamento e poucas horas depois o letreiro ainda apagado de uma casa muito famosa fica cada vez mais próximo. São sete letras que trazem consigo muita tradição da música popular brasileira, C-A-N-E-C-Ã-O. Ansiedade, nervosismo, alegria e, principalmente, precaução se misturam até porque o ingresso do Setor A já estava garantido fazia dois meses. Desastrado e esquecido que sou, o máximo de cautela era o mínimo que poderia fazer para a comédia não virar tragédia. Apresento as entradas, faço alguns clicks do hall e vou logo para a minha mesa, afinal, um senhor de olhos azuis me esperava e minha mãe me ensinou que não se deve tratar mal os idosos.

O tal coroa ainda está em forma, escrevendo, compondo e cantando como nunca. Os versos da Mangueira já sinalizavam o que estava por vir: "salve, poetas e compositores, salve também os escritores". É bom lembrar que o velhinho também publica livros. Além disso, o homem é craque no futebol e é venerado por nove de cada dez mulheres brasileiras. Num bom baianês, miseravão! Seu nome? Não é necessário. Cito apenas o nome do show: "Carioca".

O espetáculo começa com "Voltei a Cantar" e os gritos dominam o Canecão. Em seguida, "Subúrbio" vem com tudo, integra o Rio de Janeiro por completo e os morros da cidade são evidenciados por uma iluminação cuidadosa. Na sequência, todas as músicas do álbum são tocadas intercaladas pelos grandes sucessos. Enquanto isso, o balde de cerveja insistia em esvaziar e os petiscos também. Fim do show. O Presidente do Politeama Futebol Clube se despede. "Falta quem te viu, quem te vê", comento com meu primo. Repito, insisto e digo que vou subir na cadeira se o camisa 9 do Clube Varonil tocar da música. "Vamos de samba?" diz o autor de Budapeste no microfone ao retornar ao palco e puxar os acordes da canção pedida. Nirvana! De quebra, ainda teve "Sem Compromisso" e "João e Maria". Em êxtase, ligo para contar aos amigos distantes a catarse, paro na Cobal de Botafogo e tomo um chopp pra distrair.

Para este final de semana ser perfeito, bastava Chico cantar "Piano na Mangueira", mas como não existe perfeição, fico sonhando como seria este momento. "Imagina, imagina...".